A COMUNICAÇÃO DO GOVERNO LULA

Presidente erra ao ainda ver no palanque o território para conquista das massas

A comunicação é um processo. Como tal, envolve um circuito de fontes, multiplicidade de receptores, um conjunto de canais e, obviamente, os conteúdos a serem veiculados. Afora isso, exige interação entre fontes e receptores, o que a ciência (alguns acham que é arte e técnica) da comunicação designa como feedback, na expressão inglesa.

Dito isto, vem a constatação: a comunicação no governo Lula não passa de um repeteco do que tem sido o exercício de transmitir feitos da administração, os programas das pastas e opiniões de alguns protagonistas que geram polêmicas pelo teor bombástico de uma ou outra declaração.

Ou seja, não há interação com as massas, que deveriam ser o alvo central da comunicação. Não há feedback com os contingentes da base da pirâmide social. E as eventuais repercussões geradas por falas de ministros atingem apenas contingentes do meio da pirâmide, as classes médias, e geralmente provocam nelas reações negativas.

Vejam, por exemplo, as falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e seu esforço para agradar a Deus e ao Diabo. Lula seria o Deus e os faria-limers, o Diabo.

Ora promete o ex-prefeito de São Paulo garantir seu compromisso de cumprir rígido pacote fiscal (motivo de aplausos da afinada orquestra da Faria Lima e adjacências), ora anuncia que Lula pediu para não desidratar os programas sociais. Neste caso, os aplausos saem da banda comandada por Gleisi Hoffmann, a chefe do PT.

Em suma, é inviável para Haddad chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Exercício que os melhores tocadores de trombone não conseguem fazer.

Lula se queixa da precária comunicação do governo? Ora, a primeira medida seria diminuir a carga negativa da polêmica causada por fontes governamentais. Não é tarefa fácil.

Os conteúdos negativos da economia "canibalizam" (comem) as mensagens chapa-branca, tornando estas matérias rejeitadas pelos receptores. Fontes centrais, como Haddad e o próprio presidente, devem completar seu ritual de entrevistas dadas na chegada ou na saída de ministérios ou em eventos, com encontros reunindo jornalistas das mídias impressa, eletrônica (TV, rádio) e influenciadores das redes sociais.

Esse conjunto compõe um canal de articulação com os tocadores da tuba de ressonância da sociedade. Deixar de fazer isso é continuar a fazer da comunicação governamental um mero processo de informações frias, com o selo "chapa-branca".

O governo Lula 3 tem um conjunto de programas sociais dos governos anteriores do PT. Não houve nem recauchutagem, um ângulo novo que possa agarrar o interesse das massas. Daí o sentimento que geram: uma obrigação do Estado, não um projeto do PT. Ou seja, por falta de roupa nova, os receptores continuam a vestir roupa velha. E passam a exigir, mesmo em silêncio (por falta de interação), novidades, melhorias, mais dinheiro no bolso.

Interação, palavra bem acentuada neste texto. Como alcançar essa meta, a de obter interação com as massas? Pela via da articulação. Um fenômeno que marca a atual moldura brasileira é a organicidade social. Nunca o país esteve tão organizado, o que pode ser medido (em termos) pelas 800 mil organizações não governamentais (ONGs), que fazem pressão sobre as casas congressuais e passam a ser referência de classes, categorias, profissões etc.

Conversar com essas entidades, sentir seu pulso, analisar e procurar atender suas demandas é a via para maior interação entre governo e sociedade. Lula não enxerga um Brasil mutante. Que toma novas formas, se articula, vai às ruas. Continua o presidente achando que o palanque ainda é o território para conquista das massas. Erra. Os valores e sentimentos mudam a cada ciclo. A poeira do tempo carregou os últimos vestígios da infalibilidade dos governantes. Nem o papa Francisco, simpático e sorridente, é infalível.

Transcrito do jornal Folha de S Paulo de 29/12/2024

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